30 março 2010

Tião

Na rua havia um marrom com tons pretos das pedras e o verde do capim. Cidade do interior do interior de São Paulo. Poucos habitantes, poucos transportes, nenhum saneamento básico, pouca assistência social, poucas escolas, pouca segurança. Na favela também é assim, a diferença está na intensificação dos elementos e no número de pessoas.

Tião, sentado no chão, esperava o bonde. Um pé de amora dava sombra aos cabelos brancos e esfriava a pele castigada pelo tempo. Camisa xadrez, calça surrada, sapatos vetustos, olhos negros, bigode manchado do café. Apesar da aparência um pouco pisada, esta era sua roupa de sair, a camisa estava lavada, o sapato não tinha jeito, e o cabelo de lado retocado a cada dois minutos. Tião era inteiro humilde. Conhecido por todos, não havia um que passasse e não cumprimentasse o velho, “Tião cumpadi, e ocê”? “Indo Zé, indo.”

Tião era só de solidão, não havia aliança no dedo, nem companhia para esperar o bonde, nem para tomar café, nem para conversar, nem para ouvir. Tinha um violão morto em cima do sofá esburacado, algumas vezes empurrava os dedos nas cordas, tirava sons desconexos e desafinados passando o braço para cá, para lá, virando de lado, do outro lado. À vezes resmungava alguma canção com o cigarro de palha na boca. Ficava assim por horas a fio, até que se cansava e matava o violão.

Cuidava de uma fazenda, não era feia, mas também não era bonita, só a sua casa era feia, no entanto, aconchegante e pequenina, do tamanho dos seus sonhos. Não reclamava, “Tá bão aqui”, dizia coçando a cabeça quando alguém perguntava “Oh! Tião, ocê num pede um cantinho melhor?”.

Tião às vezes sentava na porta fitando o horizonte, os olhos viam ruas de terra, pedras, cachoeiras poluídas, flores pretas, marrons, cinzas, arvores secas, galhos magros esqueléticos, campos queimados, arames farpados, cercados elétricos, casas burguesas, muralhas gigantes, varandas enormes, piscinas límpidas, Orquídeas, Lírios, Rosas, gramados e ruazinhas adornadas. Quando fitava assim o horizonte, uma mágoa batia ao coração, fingia que não ouvia, a mágoa insistia mais forte, tapava os ouvidos, mas a mágoa às vezes tem braços de Hércules, por fim, cedia, abria a porta e os filhos entravam no coração. Uma chamava-se Vanderléia, já tinha carro. O outro era Vanderlei, subgerente de um supermercado. Não ligavam, só apareciam no natal, era por isso que Tião estava contente, inexplicavelmente os filhos haviam feito um almoço e chamaram o pai, “Que alegria Zé”, “Tô vendo Tião, Tô vendo”.

E ali está Tião, no ponto de ônibus, sentado, vai ver os filhos, mas e o bonde?

Não apareceu, mas não havia problema, a filha apareceria para buscá-lo, alguém notaria a demora. Tião ficou lá, por horas ficou, até que desistiu e foi dar vida ao violão.