26 fevereiro 2011

A criança que sente

O pai fala com o filho:
- Sim meu filho, você tem que estudar para ser alguém na vida.
O menino fica intrigado com a afirmação, coça a cabeça, chama o pai para mais perto e junto ao ouvido, quase sussurrando, pergunta:
- Mas o que é ser alguém na vida?
- Crescer e ter um bom emprego, preferencialmente ser gerente de alguma empresa, uma vida estabilizada, compreende?
O menino olha ao seu redor, observa ao longe um sanfoneiro que na praça toca uma melodia, essa melodia preenche seus ouvidos, sente um frêmito cortar seu corpo e então pergunta:
- Eu posso ser alguém na vida sendo um músico pai?
Por um instante o pai fica em silêncio, depois, franzindo a testa desenha no rosto um enjoo:
- Como assim?

19 fevereiro 2011

O Roubo da Rosa

O Baobá organizava a fila no intervalo das aulas, com grande dificuldade tentava chamar a atenção das flores, cantava cantigas e derrubava suas folhas, no entanto, embora tenha feito tudo, a fila demorou a ficar reta. Quando tudo estava em ordem e as flores perfeitamente alinhadas como no jardim, um cravo correu em disparada, gritava com os olhos de uma pureza absoluta que era o mágico do espaço, cantava e pulava, vivia como só um cravo sabe viver. Mas o instante de explosão e euforia foi cortado, o Baobá encontrou-o quando já subia em uma grade, irritado com a desobediência, chamou pelo nome o mágico do espaço:
- Cravo!
Ele não dava atenção, com grande esforço tentava alcançar o fim da grade, onde tênue e virgem vicejava uma rosa. Suas forças se esgotaram quando estava para alcançá-la, ele caiu. Com a queda um ferimento no caule foi aberto, nada que o fizesse chorar. O Baobá levou-o puxando pelas pétalas até a diretoria. Chegando ao local onde as ordens são tomadas, ele encontrou um amigo chamado Lírio:
- Por que você está aqui?
- Tentei roubar uma rosa.

12 fevereiro 2011

Revoar

Suas palavras foram modeladas com pedaços da lua
Mas vieram os cometas para destruir sua essência
Foi preciso a poeira encantada e as cores diversas
Para acertar o andamento do tempo

O que você buscava se não a complacência?
É preciso que os ponteiros acertem o ritmo
Esperar que o mar e sua espuma apague o sol
No começo as tempestades foram severas

Mas sua vontade foi aceita por todos
Pudera o tempo aceitar sua felicidade
Inundar o mundo com o frescor da garoa
Mas ele não aceita o linear sem mudanças

O que essa neblina faz aqui?
Você errou no dizer ou na escolha?

A solidão espreita sua tristeza
Revoa seu corpo feito valsa desacompanhada
Não há flores, elas não resistiram
Não adianta cantar, você não tem voz
Onde estão as palavras modeladas?

09 fevereiro 2011

Nascer do sol

A nuvem espalhava sua poeira sobre o céu
E o sol sua farinha sobre as nuvens derrubava
Um passarinho cantava sua alegria e seu enfeite
As folhas dançavam a música do vento
E o sol era o sol, e o dia nascia
Que fosse ruim em partes do mundo
Que fosse triste e de grande agonia
As pessoas na frenética rotina
E o caos em seus frêmitos mais sórdidos
Aquele instante deveria ser fotografado
Pelos olhos de um homem, pelos olhos de uma mulher
A vida estava laranja e amarela, viva e calma como um nascer do sol.

03 fevereiro 2011

Quando nuvens são só nuvens

Um homem sentado no chão, observava com seu sobrinho de 11 anos, as nuvens do céu.
-Aquela é um coelho, ali vemos um soldado com uma arma! Veja, veja Tio! Ali está uma flor a desabrochar.
O homem coçava a cabeça, fitava o céu com toda atenção, procurava o coelho, o soldado, a flor, mas nada via. Então, em uma tentativa desesperada, colocou-se a imaginar outros desenhos, uma gaivota, um navio, um avião, todavia, por mais que se esforçasse nenhum desenho se formava. Eram nuvens, não passavam de ínfimas nuvens, densas, brancas, enormes algodões adocicando o céu, porém, para ele... apenas nuvens.