23 outubro 2013

O último discurso

A humanidade não existe. Não, não falo do ser humano, abranjo neste apêndice o imbróglio de um significado muito maior do que este bípede que reina sobre as espécies adornado da racionalidade e do polegar opositor. Humanidade, aquilo que vem junto com esta tal dádiva que é a razão seguida dos batimentos cardíacos e liberações químicas que geram os conhecidos sentimentos. Não há humanidade, na humanidade, e não é mera redundância, é que não há mesmo, visto assim de uma visão geral o motivo pelo qual aceitamos a forma como esta sociedade se organizou. Discurso vazio? É isso mesmo, a terra vazia seria mais linda do que povoada por pequenas mentes insanas que infestam os veículos midiáticos, que reprimem, e que restringem a beleza da vida ao status quo da corrida pelo trono, do ideal burguês, da casa na praia e carro do mês. Você não é assim? Então dança nesta valsa mórbida, e canta, e pula, e sorri, que dia após dia isso só vai piorar

16 outubro 2013

Sou negra de cabelo liso

Eu tinha apenas 10 anos quando minha mãe tomou a decisão de alisar meus cabelos. Eu não tinha, até então, a mínima ideia da atitude de minha mãe e o que isso revelava num contexto sociocultural. Eu gostava daquele cabelo crespo, meus amiguinhos da escola de vez em quando riam de mim porque ele parecia uma esponja de lavar louça, por isso, meu apelido era esponjinha. Não ligava para isso, por mais que me incomodasse algumas vezes eu gostava da ideia de ser lembrada, de certa forma eu era diferente dos demais. A professora não gostava, quando via alguém me chamar de esponjinha logo dava um berro,certa vez um aluno chegou a tomar uma suspensão por três dias, fiquei desconsolada e me senti culpada.
Numa bela manhã de domingo quando minha mãe preparava o almoço um acontecimento mudaria para sempre algo que até hoje tento entender, ela veio caminhando na minha direção e disse: - Filha, vamos dar um jeitinho nesse cabelo- Fui levada à cabeleireira do bairro. A senhora negra de cabelos lisos era a mais famosa da nossa região, todas as mulheres iam lá e saiam parecidas com aquelas modelos dos comerciais. Ela me deu um pirulito e lá fiquei naquela cadeira que rodava, fiquei brincando de rodar e descer, parecia que eu estava num elevador. Enquanto isso minha mãe resolvia o preço pelo alisamento. A cabeleireira veio na minha direção e fez o que tinha que fazer.
Depois disso, na escola, os meus amiguinhos pararam de me chamar de esponjinha, fiquei triste, gostava daquele apelido, agora me chamavam pelo nome, estranhamente muitas crianças que não brincavam comigo passaram a brincar e até revelavam segredos, gostei muito disso!
Os anos passaram, meu cabelo continua liso e intacto, qualquer sombra de crespidão é alterada pela química ou pelos objetos que os deixam liso. De vez em quando penso em parar com isso e deixá-lo crescer da forma como ele é, mas não consigo, é como se algo tivesse mudado. Já faz 11 anos que aliso o cabelo, já faz 11 anos que deixei de ser a esponjinha.