28 novembro 2013

Pela manhã

Tenho na ponta da caneta o desejo de escrever sobre aquilo que não foi escrito. Em voltas doidivanas rodopiando como bailarina nos primeiros passos nasce a ideia da pureza e da cor âmbar. Penso, reflito, investigo, desdenho outra vez entre uma decepção e outra falta de criatividade. Depois, passado a tormenta criativa, a cafeína desce na garganta gritando: Acorde! Acorde! É Kafka me transformando em barata, é o processo vindo em minha porta por aquilo que não fiz, são os cem anos de solidão de uma vida que me parece, ainda, estranha. Deito na cama, apago a luz, durmo. Pela manhã o rádio bombeia tragédias, ideias, viagens, a mentira da felicidade. A vida continua, sem falhar.

23 outubro 2013

O último discurso

A humanidade não existe. Não, não falo do ser humano, abranjo neste apêndice o imbróglio de um significado muito maior do que este bípede que reina sobre as espécies adornado da racionalidade e do polegar opositor. Humanidade, aquilo que vem junto com esta tal dádiva que é a razão seguida dos batimentos cardíacos e liberações químicas que geram os conhecidos sentimentos. Não há humanidade, na humanidade, e não é mera redundância, é que não há mesmo, visto assim de uma visão geral o motivo pelo qual aceitamos a forma como esta sociedade se organizou. Discurso vazio? É isso mesmo, a terra vazia seria mais linda do que povoada por pequenas mentes insanas que infestam os veículos midiáticos, que reprimem, e que restringem a beleza da vida ao status quo da corrida pelo trono, do ideal burguês, da casa na praia e carro do mês. Você não é assim? Então dança nesta valsa mórbida, e canta, e pula, e sorri, que dia após dia isso só vai piorar

16 outubro 2013

Sou negra de cabelo liso

Eu tinha apenas 10 anos quando minha mãe tomou a decisão de alisar meus cabelos. Eu não tinha, até então, a mínima ideia da atitude de minha mãe e o que isso revelava num contexto sociocultural. Eu gostava daquele cabelo crespo, meus amiguinhos da escola de vez em quando riam de mim porque ele parecia uma esponja de lavar louça, por isso, meu apelido era esponjinha. Não ligava para isso, por mais que me incomodasse algumas vezes eu gostava da ideia de ser lembrada, de certa forma eu era diferente dos demais. A professora não gostava, quando via alguém me chamar de esponjinha logo dava um berro,certa vez um aluno chegou a tomar uma suspensão por três dias, fiquei desconsolada e me senti culpada.
Numa bela manhã de domingo quando minha mãe preparava o almoço um acontecimento mudaria para sempre algo que até hoje tento entender, ela veio caminhando na minha direção e disse: - Filha, vamos dar um jeitinho nesse cabelo- Fui levada à cabeleireira do bairro. A senhora negra de cabelos lisos era a mais famosa da nossa região, todas as mulheres iam lá e saiam parecidas com aquelas modelos dos comerciais. Ela me deu um pirulito e lá fiquei naquela cadeira que rodava, fiquei brincando de rodar e descer, parecia que eu estava num elevador. Enquanto isso minha mãe resolvia o preço pelo alisamento. A cabeleireira veio na minha direção e fez o que tinha que fazer.
Depois disso, na escola, os meus amiguinhos pararam de me chamar de esponjinha, fiquei triste, gostava daquele apelido, agora me chamavam pelo nome, estranhamente muitas crianças que não brincavam comigo passaram a brincar e até revelavam segredos, gostei muito disso!
Os anos passaram, meu cabelo continua liso e intacto, qualquer sombra de crespidão é alterada pela química ou pelos objetos que os deixam liso. De vez em quando penso em parar com isso e deixá-lo crescer da forma como ele é, mas não consigo, é como se algo tivesse mudado. Já faz 11 anos que aliso o cabelo, já faz 11 anos que deixei de ser a esponjinha.

12 agosto 2013

Folha em branco

Tenho na ponta da caneta o desejo mais contido, quase pueril, de dizer algo a você. Meus  olhos estão molhados como aquela manhã de agosto, são como orvalho nas ruas já sem placas para indicar o destino. Doravante, estes anseios deslizam sobre minha insignificante mente uma palavra que não sei ao certo se é de toda flor ou erva daninha. Penso que talvez eu tenha achado o conceito, no entanto, há tanto a dizer, sempre temos tanto a dizer, é uma pena que pensamos tanto. No pensar quase frenético dos dias acabamos por nem perceber as horas que se vão, os dias que passam, o meses e anos que não voltarão. Tudo é, tudo foi. Passado.  Assim termino com a caneta esferográfica na mão e a vontade de pintar o papel que incrédulo aquém dos meus sentimentos permanece inexorável, ele não vai me ajudar, é apenas uma folha em branco, o que mais você queria de uma folha em branco?

23 julho 2013

Sinto algo morrer dentro de mim


Pareço estar em plena marcha fúnebre nesta escuridão inócua do meu quarto,
Descanso a mente sobre o travesseiro,
Já é madrugada, é nesta hora que sinto surgir os pensamentos,
Tento sobre um leve desespero encontrar uma paz.
Nada.
O ócio consome minha pele feito nicotina,
Prazer súbito de estar deitado junto ao mal estar de estar vivo,
Assim o dia termina como se nem tivesse começado,
Sinto algo morrer dentro de mim,
E não é a vida uma constante marcha para morte?
Apenas não pensamos nisso.
Não sei como terminar estas linhas, também pudera, nem mesmo o meu dia soube administrar,
Percebo por fim que o melhor é fechar os olhos,
Deixar que a mente trabalhe sozinha,
Quem sabe sonhar,
Este é um bom fim para estas linhas: Sonhar.
Sinto algo morrer dentro de mim, vocês sabem o que é isso?
Sabem.

Boa noite.

15 julho 2013

Incompleta existência

Existe um fio condutor dos nossos pensamentos que nos levam pelos caminhos da vida, os discursos intrínsecos são dos mais variados possíveis e, muitas vezes, nos colocam no limbo da nossa identidade. Perdemos a cultura ou não sabemos quem somos?
A resposta para isso não se encerra em meia dúzia de palavras. Fala-se muito em coerência, mas o que vemos é um montante de incoerências que muitas vezes são recíprocas. Onde vão parar nossos pensamentos, nossas liberdades? Vivemos felizes achando que tudo está certo, a arte, a cultura, a luta, tudo caminha, afinal estas não vão parar nunca, mas para onde? Às vezes não é necessário ter a convicção do caminho, é necessário apenas, repito, apenas... Saber porque se anda, porque se luta, porque se fala. Serão estas atitudes uma convicção? Creio que sim, o léxico é variado em significado. Qual é o meu fio condutor que me leva a existência sem esteriótipos? É possível viver neste mundo sem ter alguma demarcação? E a demarcação é necessária para se criar um grupo com ideias semelhantes?
Estou sendo muito vago, eu sei,  também pudera, este texto e estas palavras brotam na mente feito pé de laranjeira, vem da poeira desta estrada, vem da poeira acumulada ao suor da labuta. Busco, não mais a felicidade, a felicidade foi ultrapassada, a felicidade é uma ideia velha, quiça morta, busco existir apenas, existir na vida, é chegado este tempo Drummond "Chegou um tempo em que não adianta morrer. Chegou um tempo em que a vida é uma ordem. A vida apenas, sem mistificação". Nos entremeios do dia e da noite a existência passa ininterruptamente aglutinada por um montante de relações, é chegada a hora da existência completa, ainda que no horizonte se mostre incompleta, ainda...

07 junho 2013

Indignação

Que meus olhos não se fechem diante da podridão humana, diante da bajulação necrósica e nefasta que açoita a pele e o pensamento daqueles que lutam, sou um no meio de uma multidão, sou multidão no meio de um. Por um mundo menos tolerante que a tolerância já rasgou meu peito com sua passividade, quero meu lugar, minha garganta grita, e que os senhores do poder que agora cagam nas latrinas bordadas com o dinheiro público vão as favas com os seus discursos medíocres. Por aqui não se tolera. Por aqui a esperança está morta, por aqui só o grito e o olhar na porta aberta pronto para ocupar a rua dos mundos com minha indignação. Estou pronto, faça gentileza de sair da minha frente que meu corpo é seu tanque de guerra, meu braço seu canhão e minha boca é sua arma.

27 maio 2013

Tratamento diferenciado na Virada Cultural Paulista

            Estávamos eu e me minha lata de cerveja caminhando pelas provincianas ruas mogianas entre calçadas adoráveis e construções antigas. O evento, todos sabem, aquele que acontece uma vez por ano, aquele que boa parte do dinheiro da cultura é injetado de uma vez só em um único dia do ano. Não quero explanar minha opinião sobre isso, há prós e contras, todos sabem. Como eu dizia, eu e minha lata de cerveja permeamos por quase todas as praças, do samba ao rock, do teatro ao museu, das danças ao hip hop, mas eis que no hip hop tive uma desagradável surpresa. Estava eu admirando uma das belíssimas grafites quando um policial para em minha frente e diz que não posso beber cerveja ali, intrigado com a súbita e extemporânea afirmação, inocentemente indaguei, mas eu passei em todos os eventos e ninguém disse nada, aliás, em todos os eventos estão bebendo, conversando, passeando. Muito cordialmente ele solicitou minha retirada com a estigmatizada cerveja para depois do cavalete do evento de hip hop. Lá fomos nós, eu e minha cerveja para o lado de lá do cavalete, e fui cheio de reflexões na mente. 
            Troquei minha amiga cerveja por outra e novamente circulei pelos outros espaços abertos, outra vez reparei que todos bebiam tranquilamente, percebi então que o único local aberto que não se podia beber era no evento de hip hop. Não critico aqui a posição da organização e nem o espaço cedido a galera do rap, tenho que dizer que as iniciativas do poder público neste segmento estão sendo inovadoras e muito bem intencionadas, mas como cidadão acho institucionalmente, humanamente, errada a posição da organização coibir, proibir algumas atitudes das pessoas de um segmento. Fiquei a pensar, será que os organizadores pensaram que as pessoas do hip hop bebem muito? Mas a galera do rock não? A galera do samba não? Não critico só esta posição apenas, mas acho que somos todos iguais, e devemos ser tratados de forma igual, se não posso beber depois do cavalete no evento de hip hop então que eu não possa em todos. Será desconhecimento? Má fé? Preconceito?
            O detalhe citado por mim é muito pequeno, alguns amigos me disseram que viram guardas simplesmente pegando a garrafa de quem entrava no evento e despejando o líquido no chão, é uma atitude honesta? Enfim, são nestes pequenos detalhes que vemos ainda um movimento conservador e reacionário diante de atitudes muito louváveis, espero poder ser tratado de forma igual, espero ver meus amigos, irmãos serem os mesmos independente do espaço, pelo menos é esta retórica que se prega na constituição, direitos iguais para todos, a bebida ali não faria diferença para mim e para ninguém que estava no evento, mas a proibição revela um discurso velado, aquele marginalizado, estigmatizado que todos nós sabemos, o exemplo que citei pode não ter sido dos melhores, mas gerou uma reflexão muito maior. Curti muito as grafites em frente à escola, curti os sons dos brothers, não tive problema algum em relação a isso, mas algumas coisas ainda teimam a incomodar, diante disso não me calo, seguem as linhas e as palavras de uma pessoa comum que teve um tratamento diferenciado na virada cultural paulista.

13 maio 2013

As ruas

Meus olhos penetram na rua, ela é cheia de uma beleza aparentemente normal, no entanto, ao penetrar no obscuro que se acende aos poucos, são imersos na dura verdade escondida.
As ruas são caminhos feitos por humanos, umas são banhadas a asfalto, outras são pregadas de paralelepípedos, outras carregam a marca do traço da máquina, são terras onde nascem matos.
As ruas são carregadas de histórias, histórias desses mesmos humanos que protagonizam sua existência. Há na rua um requinte de crueldade adornado por enganações.
Só quem mora na rua sabe o destino, sabe o significado, sabe o que acontece.

21 janeiro 2013

A limitação é o todo da minha existência

Tentei por muito tempo ser um tom inteiro, mas parei nos semitons.
É a metade que me faz o inteiro que você enxerga.
Tentei ser lua, mas estou sempre minguante.
E no escuro brilha a estrela morta,
Morta há quanto tempo?
A minha vida foi incompleta,
Deixei todos os projetos pela metade.
Não sou músico, não sou malabarista, não sou pintor,
Sou tudo quase sem ser nada.
A vida é quase bela se não fosse os infortúnios.
O céu repleto de um azul que me põe consternado,
Apenas dita a valsa do dia e da noite.
Tudo nesta vida é metade, combino com a metade,
Consinto à metade.

05 janeiro 2013

O velhinho


Talvez se eu fosse mais menino
Corria na frente da sua janela
Mas com esta idade não posso mais correr

Se eu fosse mais jovem
Seguraria sua mão e impediria sua partida
Mas com esta idade não posso segurá-la

Se eu fosse adulto
Faria tudo diferente
Mas com esta idade não consigo pensar diferente

Sou apenas um velhinho
Que nada sobre ilusões acumuladas pela vida
Que se acostumou com a ideia de te perder